"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A medicalização e a tecnologização da gravidez e do parto

Google Imagens

Por Cintia Liana Reis de Silva

Procurando e pesquisando por um parto em casa e/ou na água é que entendemos, muitas vezes, como hoje a medicina tradicional está, de fato, medicalizando, tecnologizando e adoecendo a gravidez e o parto, e o mais surpreendente é como as pessoas, em geral, estão sendo levadas por essa cultura, essa moda ocidental e capitalista que está tomando proporções gigantescas, de achar que é mais natural uma gravidez com riscos e complicações, que precise de recomendações especiais e precauções e milhares de análises, que uma gravidez serena, sem problemas que termine com um parto natural, ou seja, que é a coisa mais natural, afinal a gravidez e o parto não são fenômenos médicos, são fenômenos da natureza humana. 

Normalmente, quando uma mulher diz que fará o parto em casa ou na água alguém sempre comenta, "se não tem nenhum problema ou contra indicação pode ser bom". É como se ter algum problema fosse a coisa mais esperada. E "pode ser bom?". Mulheres que pariram em casa descrevem o evento como um momento de extremo acolhimento, dos mais re-confortantes, encantadores, serenos, em que se deram conta da força humana, da força feminina que têm, como uma experiência magnífica, de nascimento de uma nova e inteira mulher. Já outras contam os traumas que sofreram durante a permanência no hospital, a falta de respeito, os maus tratos antes e depois do parto. Claro que aqui não estou generalizando, afinal não fiz uma pesquisa com todas as puérperas do mundo, mas é com base no que já vi, ouvi, pelas pacientes que vieram até mim e nos livros e artigos científicos que já pesquisei.

O meu primeiro parto foi num hospital público católico, muito bem conceituado na cidade de Roma, a alguns kms de minha casa, que valoriza o parto natural. Aqui na Itália não existem motivos muito fortes para uma mulher buscar um hospital particular, só se ela quiser algo mais individualizado ou alternativo. Esse foi o meu hospital de referência além da clínica da minha ginecologista, onde eu fazia as consultas de rotina e as ecografias (Ultra-Sonografias), como chama aqui na Itália. Essa mesma ginecologista é obstetra do mesmo hospital. Quando comecei as sentir as contrações antes do parto me direcionei ao pronto socorro e fui mal atendida pela primeira médica. Com o andar do trabalho de parto, fui bem tratada por alguns funcionários, por outros nem tanto. Foi um longo percurso de trabalho natural seguido de um cesáreo, porque a minha filha não saía. Fizeram tudo em um tempo coerente, mas me deram ocitocina para apressar o parto, o que é desnecessário e no Brasil não é recomendado, mas eu estava na Itália. Eu estava bem preparada, estava usando a magnífica terapia floral, vinha de um percurso precedente de terapia e depois fui fazer terapia novamente 10 meses depois, na abordagem de Somatic Experiensing na cidade onde moro, para trabalhar as minhas questões relacionadas a esse percurso que inicialmente me fragilizou, mas depois eu busquei o caminho do grande fortalecimento. Amamentei a minha primeira filha até os 2 anos e 2 meses, a carreguei muito no colo, escrevi textos sobre a relação mãe e bebê e sobre neonatologia. Fui e sou mãe com toda a força. Fiz algumas constelações familiares paralelamente ao início de minha formação em constelações familiares e senti, 3 anos e 3 meses depois, que estava novamente preparada física e emocionalmente para ter outro filho ou filha. O meu marido já pedia e agora também sinto que é o tempo da minha primeira filha, de ganhar um irmão ou uma irmã. 

Mas nem todas as mulheres têm esse privilégio, nem de terem as informações certas ao seu alcance, ou de serem psicólogas e terapeutas florais ou de terem capital necessário para investirem em terapia, então ficam traumatizadas por um tratamento do parto que poderia ser bem mais respeitoso. Não direi humanizado, porque aqui na Itália não se usa esse termo, se diz "parto respeitoso", o humanizado ganha uma conotação de caridade. Enfim, hoje valorizo muito o percurso do meu primeiro parto e hoje busco fazer um segundo como imagino e sinto ser mais pleno (indico conhecerem a história dos três partos de Andréa Santa Rosa). Agora que estou planejando um parto na água, existe até essa "cultura" em minha família, e me dei conta de que isso não é só para quem pode pagar (e hoje já tem hospitais que fazem de graça), não, esse tipo de parto é para quem tem força de vontade de ir buscar, pesquisar, é para uma mente privilegiada que não tem medo de fazer diferente para si mesmo, para quem acha que merece.

Todos nós sabemos que o cesáreo só deve ser indicado para mulheres quando o natural presenta algum risco ou se tem algum impedimento, que intervenções médicas no parto são desnecessárias e algumas até contra indicadas pela OMS e que a alma feminina pede pelo parto natural.

E é planejando uma segunda gestação, mais madura, experiente e preparada é que descobrimos quantos mistérios incríveis moram atrás da natureza da mulher que urge pelo parto natural. Dessa liberação na hora da saída do bebê. Mesmo atuando como psicóloga há mais de 15 anos, tem muitas coisas que ainda estou descobrindo sobre esse universo incrível que é a maternidade e o nascimento, então se eu começasse a descrever aqui o que venho descobrindo daria um livro, então quem sabe eu não conto um pouco disso tudo em meu terceiro livro, sobre os mistérios e do poder de criar filhos felizes dentro de uma perspectiva da terapia familiar e das constelações familiares?

Uma das coisas que foram como gritos em meu ouvidos, como enormes insights foi perceber a quantidade excessiva de ultrassonografias que são indicadas em 9 meses. Aqui na Itália a primeira ecografia é indicada a partir do 3º ou 4º mês de gestação. No Brasil, já no final do segundo mês, ou seja, caminhando para fechar o segundo mês, as pessoas já estão fazendo. Aqui na tália, uma mulher que é acompanhada por uma doula e que fez a escolha de parir na água, faz somente uma ultra em toda uma gestação e até tem aquelas que resolveram não fazer nenhuma, porque não encontraram razões para duvidar que algo poderia estar errado. 

Eu tinha a dúvida e pensava que no Brasil as coisas estivessem mais avançadas que aqui na Itália, mas não, é o contrário, a difusão maciça do "parto humanizado" diz exatamente para as pessoas acordarem, por terem um sistema público de saúde precário, quase falido e o particular ser uma fábrica de dinheiro. O Instituto BBC (ver referência 1) em abril de 2014 mostrou que a desvalorização do parto normal tornou o Brasil líder mundial em cesáreas. 

Outro ponto é que hoje existe a dúvida cada vez mais presente se a ultrasom não causa nenhum mal a mãe e bebê. O Jornal O Globo (ver referência 2) publicou que uma pesquisa realizada por especialistas da clínica Mayo, em Rochester, nos EUA, e publicada na Revista "New Scientist", mostrou que a ultrasom expõe o feto a sons tão altos quanto os produzidos por um trem de metrô e dizem que os médicos devem evitar apontar o aparelho para o ouvido do bebê. O mesmo estudo diz que o ultrasom produz vibrações secundárias no útero, o que seria nocivo. O médico Sérgio Simões, ex-vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ultra-Sonografia, discorda dessa última afirmação, mas faz uma ressalva, que o número de ultra-Sonografias não deve passar de quatro recomendadas, a não ser em casos de extrema necessidade. 

Outra questão é a amniocentese. Aqui na Itália muitas gestantes fazem amniocentese como se fosse uma etapa importante e não como uma indicação, caso algum exame anterior não invasivo (como o Bi-test ou o Prenatal Safe Test) mostre a necessidade de aprofundar o conhecimento de possível alterações fetais. Para quem não sabe, a amniocentese comporta o risco de perda do bebê, mas mesmo sem uma necessidade real é indicada por muitos ginecologistas italianos. 

Hoje já se diz aqui na TV italiana (a TV, que é um meio de comunicação muito duvidoso e que perpetua ideias arcaicas) que após um cesáreo é muito mais indicado o parto o natural, o que chamam de VBAK (Vaginal Birth After Cesarean), parto vaginal depois de um cesáreo. Esse assunto é vastíssimo, tratado em congressos direcionados somente a esse argumento.

A quantidade de exames clínicos também é imensa. Uma verdadeira fábrica de dinheiro são todos esses procedimentos, então quem acredita fielmente na medicina tradicional e não tem ou não busca outras alternativas acaba virando refém desse sistema de crenças e dessa máfia que é claramente a construtora desses valores que giram em torno da gravidez como doença. Isso sem contar com a indústria médica para a cura ou para o tratamento da infertilidade. Nesse aspecto também incluem falta conhecimento, humildade e até generosidade do médico para indicar terapia para o casal. Pois nesse caso, que é uma de minhas especialidades, posso dizer com certeza que um casal pode ser capaz de conseguir ter um filho com o acompanhamento psicológico correto, mas é preciso abertura e sensibilidade para o tratamento das questões subjetivas envolvidas nesses bloqueios emocionais que afetam o físico e tratar a energia do campo familiar, superando essas dificuldade e liberando toda a família desse bloqueio.

Se mudarmos os nossos hábitos o mundo muda. Em meio a toda essa cultura capitalista imposta pelas grandes elites, o indivíduo ainda tem a livre escolha de procurar informações, de estabelecer outra cultura dentro do seu lar e da sua família, a cultura de enxergar o que a vida tem de mais sutil, e de conversar com quem trabalha por um futuro mais humano e respeitoso para todos.

Por Cintia Liana Reis de Silva

Referências:
1 - http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140411_cesareas_principal_mdb_rb

2 - http://www.e-familynet.com/phpbb/ultrassom-faz-mal-t332414.html

Indicação de leitura:
Gutman, Laura. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Best Seller.
Resumo do livro:
http://www.lauragutman.com.ar/libros/a-maternidade-e-o-encontro-com-a-propria-sombra-brasil/

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