"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Aquela que "ficou pra titia" na terapia familia

We Heart it

Publicado também no site Indika Bem dia 09 de outubro de 2014

Por Cintia Liana Reis de Silva

Há algum tempo escutávamos muito mais a expressão "ela ficou para titia" ou "ela vai ficar para titia", se referindo a uma mulher que não se casou e nem teve filhos e já passava dos 25, 30 anos. Titia porque o papel de tia com os sobrinhos era o que lhe restava, já que não havia "se realizado" como mãe e mulher na visão dos outros. 

Hoje o cenário mudou muito, não só porque as mulheres estão se vendo e se sentindo cada vez mais jovens para certas escolhas e se realizando profissionalmente antes de se casarem e terem filhos depois dos 30, 35, 40 anos, mas também porque estão escolhendo bem os seus parceiros e escolhem fazer experiências precedentes ao casamento, sentindo que possuem uma certa liberdade afetivo-sexual que antes não era permitida. Mas não podemos esquecer que também existem aquelas que fizeram a opção de não terem filhos e escolheram focar na carreira e em si mesmas, mesmo que tenham seus parceiros fixos.

Mas focalizando naquela mulher que "por acaso ousou" querer constituir família e ter filhos, mas não concluiu o seu desejo, o que a terapia familiar tem a contribuir? Irei explicar resumidamente.

Os pais, os irmãos e o sistema familiar como um todo possuem um lado inconsciente e é essa face oculta que comanda em grande parte o curso da vida de cada indivíduo envolvido nesse complexo sistema. A que "ficará para a titia" é aquela irmã eleita em nível inconsciente para estar mais próxima dos pais. Esse secreto estado de coesão familiar crê que ela é a mais desprotegida, a mais frágil, a que não tem condições de "se virar" sozinha. Ela não é vista como a mais bela das irmãs - a mais bela já ganha uma outra função - e os irmãos acabam compactuando com essa aliança entre os pais e essa figura escolhida porque para eles pode ser conveniente que os pais sejam "acompanhandos" e protegidos na velhice por alguém de sua confiança. Nesse caso, existe um mandato familiar pré estabelecido. Se cria essa dinâmica que reforça esse pensamento antigo, da filha que fica destinada a essa delicada e importante função, a de cuidar dos pais. É importante estar atento a esses padrões e problemas familiares que passam através das gerações.

Essa filha, eleita para a "ser a titita", cresce e ainda preserva traços de imaturidade, porque assim é vista pela família, que transfere para ela essa imagem infantil, de dependência e não a motiva em seu processo de progressiva autonomia individual, mesmo que pense que o faz - por isso é tão imporatnte a terapia individual ou familiar. Às vezes se cria também um processo de triangulação emotiva, onde ela, por estar tão próxima dos pais emotivamente, nesse aglomerado familiar, acaba por esconder o desentedimento do casal e todas as coisas acabam sendo voltada para ela, maquiando outros problemas nesse subsistema conjugal.
Pode ocorrer da família querer até diagnosticá-la ou acreditar que é portadora de algum retardo cognitivo, mas não é, ela só tem um baixo nível de maturidade e de diferenciação do self, criado e alimentado pelos próprios pais, e esse nível pode vir a mudar, caso o ambiente mude ou ela queira crescer.

Ela pode também ser filha única, mas normalmente é a mais nova das irmãs e faz parte de uma família com uma prole relativamente grande, com no mínimo três filhas do sexo feminino. "A escolhida" pode até ter tido um filho de um relacionamento passageiro, mas não estava pronta para levar adiante um relacionamento amoroso maduro, ainda estava muito ligada à família, então volta para perto dos pais e se dedica a seus cuidados e aos do filho. Ou até mesmo pode transferir as suas responsabilidades de mãe à sua mãe e sua responsabilidade de educá-lo e a sua autoridade a seus pais. Ela está costumada a ser filha, mas também a servir, a ser companhia e a estar sempre disponível.

"A titia" foi uma espécie de vítima, super protegida não teve espaço para se desenvolver afetivamente com outras pessoas, a criar amizades muito significativas muito além da família e nem teve relacionamentos afetivo-sexuais importantes, pois a sua família estava lá, ocupando um espaço muito grande e sempre em primeiro plano em tudo. Ela ainda serve para cuidar dos sobrinhos e a dar suporte, caso algum irmão precise.

"A titia" acaba por se torna o que chamamos na terapia familiar de "filhos crônico" que, segundo Andolfi, "é aquele adulto que não consegue superar vínculos de dependência e de imaturidade em relação aos próprios genitores, permanecendo obstinadamente filho, ainda em etapas sucessivas do seu ciclo de desenvolvimento, impedindo-se, desse modo, de conquistar uma autêntica Autoridade Pessoal". Quando os pais já não estão, os irmãos passam a ser suas figuras de referência, de autoridade e de segurança.

Segundo Bowen, o pai da terapia familiar, "cada se humano deve ter o dieito de conquistar um Eu responsável, que assuma a responsabilidade da própria felicidade e do próprio bem estar e que não considere os outros responsáveis ou culpados pela própria felicidade e pelos próprios insucessos". Portanto, esse texto não serve para culpabilizar ninguém, mas serve talvez como alertar para as pessoas darem a liberdade a todos os irmãos de serem felizes e realizarem seus sonhos e projetos, assim como para uma possível "titia" estar alerta e, se quiser, dar o seu grito de liberdade. Desse modo, todos se sentirão menos culpados por serem felizes, por terem constituído suas famílias, sem ter tirado a chance do outro ser feliz, sabendo que tiveram opotunidades semelhantes e, consequentemente, a família assim funcionará de maneira mais saudável, com um maior senso de justiça e igualdade.

Por Cintia Liana Reis de Silva

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