"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Relação fusional do recém nascido e sua relação com aspectos ocultos da psiquê materna



Por Cintia Liana Reis de Silva

O que seria de fato mais importante para se preocupar quando se espera um filho no ventre e na fila de adoção? Os horários mais corretos para dar de comer e para dormir ou a própria preparação emocional para sustentar as necessidades psicológicas mais profundas da criança?

Um recém nascido resta em estado fusional com a mãe por nove meses depois do seu nascimento, sua existência psíquica sadia depende da existência dela, se ela desaparece é uma espécie de morte para ele, que sente o sofrimento desta perda como algo “esmagador” (JOHNSON, 1985).

Isso também quer dizer que perto ou longe do seu corpo físico o neonato apresenta todos os sintomas de tudo o que ela sente, ele é seu termômetro, que não sente o espaço de separação entre eles, a mãe é uma extensão do seu pequeno corpo, do seu "eu", ele depende diretamente dela para viver emocionalmente e fisicamente. Se após suas necessidades básicas serem atendidas a criança se mostra agitada, chora muito, é depressiva, apresenta problemas de pele e tem pesadelos, certamente pode estar manifestando algo oculto da psiquê da mãe, aspectos de sua "sombra", aquilo que ela esconde dela mesma, seus pensamentos negativos, sua ansiedade, aquilo que teme apresentar aos outros, aquilo que quer esquecer ou que pertence ao seu passado. Nesta hora, a mãe deve mergulhar e perguntar-se o que ela de fato sente, pois está sendo manifestado em seu filho, pois o neonato representa um vulcão em erupção, algo que nem a mãe está reconhecendo ou trabalhando em si de modo maduro (GUTMAN, 2008).

Por isso, a tarefa mais importante antes de se ter uma filho é se perguntar: “Estou pronta?”, “Tenho uma vida emocional bastante madura e tranquila capaz de proporcionar a meus filhos paz e segurança?”, “Que tipo de relação tenho com meus pais e que coisas devo trabalhar para não repetir o mesmo tipo de relação adoecida?”, "Como poderei proporcionar algo que não tive a meus filhos? E o que me falta?". Ter filhos somente com o objetivo de proporcionar prazer a si próprio ou completar-se chega a ser cruel de tão egoísta, eles não podem dar segurança a alguém que não a tem, eles precisam de segurança de completude para crescerem bem e desenvolverem bem o seu próprio ego (SILVA, 2012).

O ser humano é o único que demora mais tempo para adquirir um certo grau de autonomia, mais de 9 meses, o que outros mamíferos conseguem em apenas poucos dias depois de seu nascimento. A fusão do neonato é uma modalidade de relacionamento necessária para desenvolver o seu ego, precisa do outro, primeiro da mãe, e está enredado em suas mais profundas emoções, sentimentos, sensações, as positivas e as negativas, mesmo que isso fuja do controle desta e sempre foge. Depois a criança vai reconhecendo os outros como fazendo parte do seu mundo, criando novos vínculos fusionais e isso inclue os objetos que o cercam, como um bichinho de pelúcia. Todos também se tornam uma extensão do seu "eu" e sua vida emocional vai se ampliando. Para reconhecer esse espaço leva mais tempo que um adulto, por isso, precisam de tempo para acostumar-se com presenças de pessoas e lugares novos, para se sentirem seguros e explorarem o ambiente, como uma festinha de aniversário, por exemplo, quando é hora de ir embora é justamente o momento em que começam a se soltar e eles obviamente querem ficar. Por isso, muitas coisas não são meras birras, de acordo com alguns julgamentos comuns.

Crianças pequenas que tiveram que suportar importante separações ou são filhos de pessoas que sofrem de "ansiedade de separação" tenderão a estender um pouco este período fusional e a suportar menos rompimentos de vínculos e quando adultos correrão o risco a estabelecerem relações possessivas, baseadas no ciúme ou na falta de confiança, que são manifestações desesperadas do medo da solidão. Os pais devem estar atentos e a lançarem mão de ajuda psicológica sempre que necessário, para eles e para os filhos.

As crianças crescem e a tarefa de todas é ganhar independência física e emocional, amadurecer mas, ainda assim, nesta estrada, até um certo ponto somos o reflexo dos nossos pais, da parte luz e da parte sombra, oculta, que eles escondem até deles mesmos. A mais importante tarefa enquanto pais é desvendar esses mistérios pessoais, olhar para a parte mais dolorida e trabalhá-la sem tabus, não só para crescermos e sermos mais felizes, mas também porque significa um pacto de amor para com os filhos, que serão sempre um pouco de nós.

Cintia Liana Reis de Silva, é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar, trabalha com casos de família e adoção desde 2002.

Referência:
GUTMAN, Laura. La maternità y el incuentro con la propria ombra. Buenos Aires: Editorial Del Nuevo Estremo, 2008.
JOHNSON, Stephen M.. Characterological Transformation: The hard work miracle. New York: Ed. Norton, 1985.
SILVA, Cintia Liana Reis de Silva. Filhos da Esperança: Os Caminhos da Adoção e da Família e seus Aspectos Psicológicos. Salvador: Edição do Autor, 2012.

Nenhum comentário: