"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Cintia Liana para a Revista Star

Em setembro de 2010 cedi uma entrevista para a Revista Star de Minas Gerais. Confiram na íntegra as respostas sobre adoção.
Obrigada à Jornalista Amanda Corrêa e parabéns pela escolha do tema.
Ao final do post confiram as duas páginas da revista em que fui citada.

Foto: Cintia Liana em Budapest, Hungria

Amanda Corrêa - De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção, houve uma queda na preferência dos pretendentes à adoção por crianças brancas. Em 2008, 70% dos pais tinham esta preferência, hoje este número caiu para 38%. Na sua opinião, porque houve esta queda? O que ela significa?

Cintia Liana - Percebo que muitos mitos sobre adoção estão vindo abaixo, assim muitos medos em torno da adoção interracial estão sendo enfrentados. Essa conquista se dá não só pela luta de profissionais e pais engajados na causa, como também da mídia que tem abordados diversos assuntos de maneira decisiva e responsável.

Outra possível explicação é a falta de crianças brancas e a grande fila de espera pelo filho tão desejado.

Em 2004, quando comecei a coordenar o Serviço de Psicologia da Vara da Infância e Juventude de Salvador, existia um grande número de adotantes querendo menina, branca, recém nascida. Em 2008 o quadro era completamente diferente, muitas pessoas com um perfil mais flexível, sem preferência de sexo ou cor de pele e crianças maiores de 2 anos.

Investia em reuniões onde todas as demandas em torno do tema eram acolhidas, muitos saíam das reuniões diretamente para o setor específico com o objetivo de fazer a mudança do perfil desejado. Lembro que um casal mudou de até 3 anos para até 12 anos e adotou um menino negro de 7 anos, nutriam um amor imenso e hoje, 3 anos depois, estão muito felizes vivendo na Argentina, terra natal da mãe. A mãe disse uma frase muito verdadeira e tocante em um momento da reunião, se deu conta que “não esperava por uma criança que seria abandonada, mas queria uma criança que precisasse de uma família assim como ela e o marido estavam precisando desta criança, deste filho”. Foi uma das coisas mais bonitas que já ouvi, esse é o verdadeiro amadurecimento da maternidade na adoção.

Amanda Corrêa - Como é o processo de adoção para a criança? Qual é a maior dificuldade?

Cintia Liana - Toda criança abrigada tem um desejo maior: ter uma família. Claro que elas fantasiam os pais, assim como eles fantasiam seus filhos. Sobretudo as crianças desejam ser acolhidas em todas as suas necessidades. Desejam se sentir aceitas, amadas, desejam ser sempre abraçadas e motivadas, ouvindo suas qualidades. Desejam também que sejam dados os devidos limites, com amor e compreensão.

A criança que apresenta algum tipo de dificuldade no processo de adaptação não é, de modo algum, uma criança com problemas, ao contrário, pode ser uma criança que esteja entendendo a situação como não muito confortável, ou agradável, pode ser que esteja reagindo a uma séria de expectativas que colocam sobre ela.

O processo de adaptação exige tranqüilidade, sobretudo da parte dos adotantes, assim qualquer criança superará dificuldades e se adaptará bem.

Amanda Corrêa - Quais os efeitos e dificuldades pelas quais você acredita que uma criança negra pode passar ao ser adotada por uma família multiracial?

Cintia Liana - A criança não passa por dificuldades se os adultos e a sociedade não colocarem problemas na diferença de cor ou etnia. Para a criança o que importa é o amor que receberá, o amparo, os cuidados, a proteção. Não importa se terá só pai ou só mãe, se serão brancos ou negros, que classe social terá ou se serão heteros ou homossexuais, quem cria problemas quanto a isso são as outras pessoas, os grupos sociais.

Na parentalidade interrracial fica mais evidente o vínculo adotivo com a família mas, de acordo com pesquisas, a criança negra inserida em família branca que sofre preconceito não sofre pela diferença de cor e sim pelo fato de ser adotada, assim como outras crianças que são parecidas com suas famílias adotivas.

A criança poderá ouvir algumas coisas desagradáveis, mas o fato é que para ela é muito mais importante ter pais e passar por alguma dificuldade - coisa que toda criança passa por um motivo ou outro - a crescer numa instituição sozinha.

Nós não podemos deixar nossas crianças crescendo em abrigos para não realizar uma adoção por causa da cor de pele, desta forma abaixaremos a cabeça para o preconceito de pessoas com uma visão estreita, cartesiana, onde a irregularidade e o singular são ignorados.

Em pleno século XXI estamos repetindo padrões absurdos, pensamentos preconceituosos, como em outros momentos da história da humanidade.

Amanda Corrêa - Existe um acompanhamento psicológico à criança depois da adoção?

Cintia Liana - Não é algo obrigatório, mas é uma opção muito valiosa que alguns pais fazem para que a criança possa trabalhar as novas sensações dentro de sua história, esse complexo de articulações com uma pessoa especializada que vai saber, inclusive, como orientar os pais nesse contexto.

Muitas vezes são os pais que precisam de acompanhamento, porque a adoção é um momento muito rico, de muitos acontecimentos internos, é um verdadeiro parto.

Seria maravilhoso se os pais biológicos pudessem se preparar e se cuidarem como os pais adotivos geralmente o fazem.

Amanda Corrêa - A maioria das pessoas que procuram adotar querem crianças de até três anos de idade. Quais os motivos? Qual o efeito desta rejeição nas crianças de idade mais avançada?

Cintia Liana - Os motivos são achar que quanto menor a criança mais absorverá a nova educação e mais se assemelhará a um filho biológico. Também acreditam que não trará tantas recordações desagradáveis e hábitos da instituição ou da família de origem, como também acreditam que ela ainda não tem uma personalidade formada.

São fantasias sociais, grandes mitos. Quando a criança se sente verdadeiramente amada e aceita ela quer se tornar parecida com os novos pais e isso de fato ocorre independe da idade.

A mesma coisa posso dizer quanto a forma de viver e sobre o temperamento, isso não vai depender de idade e sim de cada criança e em como ela encara as mudanças e a abertura dos adultos para amá-la.

Existem criança com uma capacidade enorme de resiliência, de otimismo e que superam dificuldades que muitos adultos não conseguiriam.

Se idade fosse assim tão importante para o vínculo não existiriam tantos filhos biológicos com tantos problemas e se voltando contra os pais. Quero dizer que tudo vai depender da situação e da educação dada, assim como a visão peculiar, sutil e particular que deve ser direcionada a cada situação, não existe uma fórmula, existem situações cheias de complexidades que devem ser tratadas com muito cuidado e afetividade.

Amanda Corrêa -Você acha que existe alguma possibilidade de fatores como celebridades que adotaram crianças negras recentemente possam influenciar na decisão dos candidatos a adoção no Brasil?

Cintia Liana - Sim, com certeza as celebridas influenciam muitas novas adoções. Uma adoção na família influencia muito as outras pessoas ao redor e trabalha preconceitos. Quando alguém respeitado, conhecido e bem sucedido adota sempre abre novos caminhos e fortalece desejos. Isso faz com que as pessoas vejam como uma "espécie de moda" e como algo muito valioso que só alguém bem resolvido e bem estruturado faz, e isso todo mundo quer ser.

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Foto: Cintia Liana cede entrevista sobre adoção
para a Revista Star de Minas Gerais

Foto: Cintia Liana cede entrevista sobre adoção
para a Revista Star de Minas Gerais

Por Cintia Liana

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