"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Desenvolvimento Emocional Primitivo

Foto: Google Imagens

Por Sérgio Luiz Saboya Arruda e Elisângela Andrieto

Na teoria de Winnicott, o desenvolvimento emocional primitivo é um tema bastante amplo e complexo. Portanto, neste artigo, não será possível abarcar todas as questões relevantes a este tema, embora se pretenda estudar as principais características dos processos iniciais do desenvolvimento do bebê, enfatizando a importância da mãe nos mesmos.

Para que o bebê se desenvolva emocionalmente, é necessário que alguém o auxilie neste processo, ou seja, é necessária a presença de uma mãe suficientemente boa,que não necessariamente é a própria mãe do bebê, mas alguém que assuma este papel. Isto é:

[...] aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração. A mãe suficientemente boa, como afirmei, começa com uma adaptação quase completa às necessidades do bebê, e, à medida que o tempo passa, adapta-se cada vez menos completamente, de modo gradativo, segundo a crescente capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela. (WINNICOTT, 1971/1975, p. 25)

Para explicar o desenvolvimento emocional de um bebê, Winnicott (1945/1993) assinala a existência de dois estádios que nos aproximam da observação do desenvolvimento primitivo. O “primeiro” ocorre por volta do nascimento, que é percebido pela diferença entre bebês prematuros e pós-maturos. Segundo Winnicott (1945/1993) ao final do nono mês de gestação, o bebê se torna maduro para o desenvolvimento emocional. Se ele nasce após completar nove meses, ele atinge esse estágio ainda no útero; se nasce prematuro não experimenta muita coisa que seja vital até atingir a idade com a qual deveria ter nascido.

O “segundo” estádio acontece entre 5 e 6 meses de vida. É neste estádio que o bebê adquire a habilidade de agarrar um objeto e levá-lo à boca. É por causa desse movimento que é possível dizer que o bebê mostra sua compreensão de que tem um interior e que as coisas vêm de fora, admitindo assim a existência da mãe com um interior próprio. Este estágio em que um ser humano se relaciona com o outro representa um longo caminho no seu desenvolvimento primitivo (WINNICOTT, 1945/1993). Porém o que interessa, neste artigo, é o que ocorre com os sentimentos e com a personalidade do bebê antes o “segundo” estádio, ou seja, antes mesmo de o bebê conhecer a si mesmo (e como consequência os outros) como a pessoa total que ele é (e que eles são). Esta discussão é possível, pois paralelamente a esses estádios observa-se a presença dos processos de integração, personalização: a apreciação do tempo e do espaço e de outras propriedades da realidade (WINNICOTT, 1945/1993). Deve-se enfatizar o que Winnicott pontua a respeito da tarefa do bebê. A ocupação do bebê, pelo menos desde o nascimento, nunca é uma tarefa acabada: as conquistas das primeiras semanas e meses, muitas vezes, são perdidas e recobradas de acordo com as voltas do destino (WINNICOTT, 1948/1993).

É também importante assinalar que, para esta discussão, não devemos pensar no bebê como uma pessoa que sente fome, cujos impulsos instintivos podem ser satisfeitos ou frustrados, mas sim como um ser imaturo que está próximo de sofrer uma ansiedade inimaginável. Essa ansiedade pode ser evitada pela função da mãe que é vitalmente importante nesse estágio, ou seja, sua capacidade de se pôr no lugar do bebê e de saber o que ele necessita no cuidado geral de seu corpo e da sua pessoa. (WINNICOTT, 1965/1983)

No estado de dependência absoluta, as necessidades dos bebês vão desde as necessidades do corpo, como virá-lo no berço, colocar ou tirar mais roupas dependendo da condição do tempo, acariciá-lo ao perceber cólicas, limpá-lo e alimentá-lo, até outro tipo de necessidades muito sutis, que só o contato humano pode satisfazer:

Talvez o bebê precise deixar-se envolver pelo ritmo respiratório da mãe, ou mesmo ouvir e sentir os batimentos cardíacos de um adulto. Talvez seja-lhe necessário sentir o cheiro da mãe ou do pai, ou talvez ele precise ouvir sons que lhe transmitam a vivacidade e a vida que há no outro meio ambiente, ou cores e movimentos, de tal forma que o bebê não seja deixado a sós com os seus próprios recursos, quando ainda jovem e imaturo para assumir plena responsabilidade pela vida. (WINNICOTT, 1970/1994, p. 76)

Essas características dos bebês e de suas necessidades ajudam na compreensão da caracterização dos estádios que compõem o desenvolvimento emocional primitivo.

A integração é um processo que começa desde muito cedo na vida do bebê. Ela é ajudada por dois conjuntos de experiências: o cuidado do bebê, que é caracterizado pelos banhos, pelo manuseio corporal, por nomear as suas partes etc; as experiências pulsionais que tendem a tornar a personalidade una a partir do interior. Há diferenças quanto ao momento da vida em que esse processo ocorre em cada bebê: ora imediatamente após o nascimento, ora em momentos posteriores da vida; podendo até
ocorrerem momentos de recaídas. (WINNICOTT, 1945/1993)

A integração manifesta-se a partir de um estágio primário não integrado, ou seja, o bebê se compõe de uma série de motilidades e de percepções sensoriais que vão sendo identificadas e integradas por causa da percepção e da compreensão que a mãe suficientemente boa tem das necessidades do bebê. No entanto, a volta a um estado não integrado não caracteriza necessariamente uma fonte de medo para o bebê, em virtude do senso de segurança propiciado pela mãe. Isto, às vezes, é identificado por ele, no simples ato de a mãe segurá-lo adequadamente no colo. Situações como essas conservam o bebê como que unido em si mesmo e, desta forma, a não integração e a reintegração podem ocorrer sem provocar ansiedade. (WINNICOTT, 1965/2005)

Outro processo importante que também faz parte do desenvolvimento emocional primitivo é a personalização, que é o sentimento de que se está dentro do próprio corpo. Como a integração, a personalização é ajudada pela experiência pulsional e pelas repetidas e tranquilas experiências de cuidado corporal que a mãe lhe propicia (WINNICOTT, 1945/1993). É pela ocorrência de um grau razoável de adaptação às necessidades do bebê, que é possível estabelecer, mais rapidamente, uma forte relação entre psique e soma (WINNICOTT, 1965/2005).

O terceiro processo que faz parte desse período do desenvolvimento emocional primitivo é a realização, ou seja, o “perceber” a existência do mundo e o relacionar-se com o mesmo. É um processo bastante complexo, que se relaciona com a ilusão e com a fantasia.

Segundo Winnicott (1971/1975), a ilusão é propiciada pela mãe, ou seja, ela oferece ao bebê a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz parte do bebê, ou seja, de que está sob o controle mágico e onipotente do bebê. A onipotência é quase um fato de experiência e a tarefa final da mãe égradativamente desiludir o bebê. Assim, desde o início da vida, o bebê está envolvido com aquilo que é objetivamente percebido e aquilo que é subjetivamente concebido.

Newman (2003) comenta que, de acordo com Winnicott, a fantasia faz parte da defesa maníaca do indivíduo ao lidar com a sua incapacidade para aceitar o pleno significado da realidade interna. A fantasia relaciona-se com os esforços do ser humano para aceitar o mundo interno, podendo-se dizer que o controle onipotente da realidade interna implica fantasias sobre essa realidade. Ou seja, o indivíduo chega à realidade externa por meio de fantasias onipotentes elaboradas como uma tentativa de livrar-se da realidade interna.

Winnicott (1971/1975) também descreve a fantasia como um fenômeno isolado, que absorve energia e cuja inacessibilidade relaciona-se à dissociação. Dessa forma é possível compreender que a ilusão e a fantasia relacionam-se intimamente com o processo da realização, pois são necessárias para a concretude desse processo, uma vez que o bebê precisa sentir primeiro a onipotência, que ocorre pela ilusão e pela fantasia, para que possa compreender a realidade externa.

Assim como já ocorreu na integração e na personalização, o processo de adaptação à realidade externa é ajudado pela interação com a mãe, que apresentará os objetos ao bebê. Este passo no desenvolvimento emocional representa um grande avanço, mas nunca é dado e estabelecido de uma só vez. Para explicar tal processo, Winnicott (1968/1994) destaca o par bebê-seio da mãe. O momento da amamentação não se limita apenas à alimentação do bebê, mas também ao início da relação dele com o objeto. O relacionamento com o mundo real baseia-se na forma como as coisas se iniciam e no padrão que gradualmente se desenvolve, de acordo com a experiência que faz parte desse desenvolvimento humano entre mãe e bebê.

A experiência da amamentação leva a um paradoxo: segundo Winnicott, aquilo que o bebê cria já estava ali. Na verdade, o bebê cria parte da mãe que foi encontrada. Não há uma certeza a respeito da idade na qual o bebê percebe pela primeira vez que a mãe é uma pessoa (WINNICOTT, 1948/1993).

Em suma, Winnicott (1945/1993) enfatiza a importância da participação da mãe quer na adaptação do bebê à realidade, quer em todo o processo do desenvolvimento emocional primitivo. Ela tem o papel de protegê-lo de complicações que o mesmo ainda não entende, bem como de fornecer-lhe pedaços simplificados de mundo, que a criança passa a conhecer por intermédio da mãe. Um bebê não pode existir sozinho, psicológica ou fisicamente, ele necessita realmente de uma pessoa que cuide dele no início da vida, propiciando-lhe um ambiente satisfatório para o seu desenvolvimento, percebendo e atendendo as suas necessidades básicas.

Mães psicóticas e seus bebês: uma leitura winnicottiana
Por Sérgio Luiz Saboya Arruda; Elisângela Andrieto
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo, Brasil
Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 61, n. 3, 2009.
Artigo completo em:


Por Cintia Liana

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